Deep Web. 20 fotos assustadoras. São na verdade 20 tretas.


Se aqui chegou por querer assustar-se com a Deep Web, então ficará dececionado. Um quarto escuro só é assustador quando não é iluminado pelo Sol; a web das profundezas e dos terrores e das trevas só é assustadora quando a luz do conhecimento não entra.
Em primeiro lugar, Deep Web refere-se a isto. Nada mais do que gigantescas bases de dados que os motores de busca tradicionais não indexam porque não foram concebidos para rastrear re­sul­ta­dos ser­vi­dos em tempo real, em pá­gi­nas di­nâ­mi­cas, e ape­nas quando so­li­ci­ta­dos. Segundo, o que as pessoas referem erradamente como Deep Web é apenas o conjunto de sites da rede Tor.

Por vezes confunde-se «conhecer» com «corresponder às expectativas» – nem sempre isso acontece. Se a sua intenção é encontrar algo que comprove que a Deep Web é essa coisa assustadora que leu em blogues sensacionalistas, então não leia este artigo e prossiga a pesquisa no Google.


Se o fizer, o mais certo é descobrir muita desinformação.


Excetuando o caso mais óbvio da pornografia infantil – livremente partilhada na rede Tor devido ao anonimato e à ausência de qualquer mecanismo de censura ou proteção – as imagens divulgadas como tendo sido descobertas na Deep Web não são exclusivas desse mítico lugar das profundezas; na verdade possuem um significado totalmente diferente do que lhe querem dar e podem ser encontradas com facilidade através do Google.
Para começar, 4 exemplos de Deep Estupidez



Uma criação do designer Jack Crossing pode causar «problemas com pânico noturno».

Quando o Google é a própria Internet e não consegue aceder a partes de si próprio. Confuso?

Uma sátira do 9gag a gozar com «camadas» é levada a serio.


Na Deep Web ficamos a conhecer os filmes «Fantômas» realizados entre 1913 e 1914 por Louis Feuillade…

Sejam bem-vindos à Tretosfera

Seguem-se as «fotos assustadoras» que nos são apresentadas como exemplos do que se pode encontrar nesse «quarto escuro» da Internet. Dúzias de blogues e sítios mostram-nas sem qualquer pudor, de forma sensacionalista e pouco pensada, não fornecendo qualquer tipo de explicação ou contextualização. Outra característica desses sítios é apresentarem sempre as mesmas imagens. Experimentem pesquisar no Google por «Deep Web imagens» e verão a quantidade de fotos repetidas, às vezes apresentadas pela mesma ordem.
Viram? Copiaram-se uns aos outros ou afinal a Deep Web é mais monótona do que parece.
Nesta seleção não incluo as fotos gore de todo o tipo que por lá se encontram (mas essas também se descobrem no Google), fotos de meninas adolescentes grávidas (também no Google) e as imagens pedófilas, mas as 20 que escolhi são suficientes para começar a desmontar a gigantesca treta de desinformação que tenho visto em muitos posts.

Treta nº1.

O rapaz não quis dar a cara e ninguém tem nada a ver como assunto. É entre ele e o Photoshop.
A primeira conclusão ao ver esta foto é que as patranhas que encontramos na Web também andam pela versão Deep.

Esta malta que se aterroriza com uma misteriosa pessoa sem rosto não deve conhecer o golpe publicitário da Lotus em julho de 2008. Para promover o novo modelo Eagle, a marca colocou pessoas com máscaras em eventos públicos, de fato e gravata, logótipo da Lotus ao peito, captando a atenção dos fotógrafos, como de resto era esperado.
As máscaras de pele protética criavam a ilusão de que os modelos não possuíam rosto – o que vinha mesmo a calhar, uma vez que o mote da campanha para promover o novo bólide era «True character in a faceless World»
Quer dizer que uma campanha viral anda neste momento em curso na Deep Web? Não, significa apenas que os benefícios do Photoshop para criar mistérios do sobrenatural são tão efetivos lá como cá.
Para ver a imagem original: Clique aqui

Treta nº2.

«Clown and Circus Tent», 1958 | Bruce Davidson

Imagino que um anão ainda possa ser assustador ou bizarro para algumas pessoas.
O sentido de oportunidade e a sensibilidade do veterano da Agência Magnum autor desta foto, Bruce Davidson, mostra-nos muito mais: conta-nos a história de um palhaço envelhecido pelos anos, flores na mão, não sabemos se oferecidas ou se as vai oferecer; fuma um cigarro, talvez por estar nervoso enquanto espera alguém importante na sua vida; um homem cansado, um homem sem nome, um palhaço e a sua tenda de circo.
E ele ali ficou para sempre nesta imagem, um ‘fantasma’ à entrada de uma tenda de circo montada num terreno enlameado numa manhã triste e enevoada.
«Clown and Circus Tent», tirada em 1958, é acima de tudo uma grande foto. Lembra o trabalho de Diane Arbus, pois perante esta «criatura bizarra da Deep Web» não há dis­tân­cia ou re­pulsa na sua câ­mara.
Para ver a imagem original: Clique aqui

Treta nº3.

Pobres manequins: uns perderam a cabeça, outros não chegaram a perder as ceroulas.

A 19 de março de 1925, o jornal Manchester Guardiannoticiou que as instalações do Museu de Cera de Madame Tussaud, localizadas em Marylebone Road, Londres, tinham ficado seriamente danificadas por um incêndio.
O fogo foi descoberto pouco depois das dez e meia da noite, prosseguiu o Manchester Guardian, e uma hora depois o interior do armazém era já um «forno em fúria».
O incêndio não atraiu apenas várias corporações de bombeiros, mas também cerca de dez mil pessoas, curiosas por ver a catástrofe – afinal não havia telejornais nem transmissões em direto destes eventos. O fogo só ficou extinto por volta da meia-noite. Ninguém morreu, mas os prejuízos foram enormes.
Só na manhã seguinte o fotógrafo foi autorizado a entrar e a captar uma imagem dos pobres manequins do Museu de Cera, alguns sem cabeça, outros sem braços e a maioria visivelmente consternada com os trágicos acontecimentos – ai, estes detetives ceguetas da Deep Web…

Treta nº4.

Na Deep Web as meninas também partilham segredos.

São realmente assustadoras estas meninas: tão esverdeadas, sem pupilas, como se tivessem saído de um filme de terror japonês… sobretudo se as compararmos com o original de 1950 «Twin sisters sharing secrets…», de George Marks, fotógrafo da Getty Images.

Para ver a imagem original: Clique aqui



Treta nº5.

Cuidado com as abomináveis caveiras-monge, podem converter-te ao Caveirismo.
São criaturas bizarras, estas. Habitarão algum bosque terrestre, escapando-se furtivamente à convivência dos humanos como faz o famoso Abominável Homem das Neves?
Nada de tão excitante. Trata-se apenas do resultado da imaginação da artista e fotógrafa Olia Pishchanska. Olia tem 30 anos, vive em Odesa, na Ucrânia, e tem uma página no DeviantArt onde mostra este e outros trabalhos do género.
Para ver imagem original: Clique aqui



Treta nº6.

Quem tem medo de brincar com bonecas?
O autor desta foto-manipulação chamou-lhe «Evil Doll» e chegou a dizer que só depois de a terminar se apercebeu de como era «arrepiante». Chama-se Ciaran Brennan, é um irlandês residente em Dublin e tem uma página pessoal onde nos mostra que é uma pessoa… normal.
Brennam não é um habitante obscuro da mítica Deep Web, tem uma página no DevianArt onde mostra regularmente as suas criações.
Esta em particular, feita em 2004, impressionou tanto que a Smashing Magazine incluiu o irlandês numa lista de «20 talentosos e impressionantes ilustradores».
A Smashing Magazine faz parte da Deep Web?




Treta nº7.

É só uma ninhada do Cronenberg, crianças…

Que coisas assustadoras nos revelam os meandros desta web das profundezas. Quem poderia imaginar que esta imagem é na realidade um bando de crianças assassinas de aspeto sinistro? E pensava eu que se tratava de uma foto promocional de um filme de terror –The Brood – realizado em 1979 por David Cronenberg. Estamos sempre a aprender.



Treta nº8.

Tem sangue e rabo de gajo, só pode ser Deep Web, certo?

Que a imagem é invulgar e perturbadora não tenho qualquer dúvida: a arte pode ter esse efeito nas pessoas, mesmo que nos seja esteticamente repulsiva. Trata-se de uma fotografia para a sérieColective Red, de 1998, idealizada pelo artista e pintor ucraniano Arsen Savadov.

Savadov é um conceptualista: imagina as imagens, compõe o quadro mentalmente e depois trabalha com um fotógrafo para concretizar os seus sonhos (ou pesadelos). Não é objetivo deste post escrever uma resenha sobre os méritos artísticos de Savadov, mas de uma coisa podemos estar certos: ele não é um produto da Deep Web.


Treta nº9.


Deep Web, a rainha da fotochanchada.
Parece impossível que alguém leve a imagem à esquerda a sério, mas a verdade é que tem sido uma das rainhas da creepypasta ligada aos mitos da Deep Web.

É preciso dizer que estamos apenas perante uma photoshopada medíocre a partir de uma criação artística (à direita) que nada tem a ver com realidades ocultas ou verdadeiros voyers maléficos?

É uma fotografia da talentosa Joi Carey, uma americana do Arizona que possui perfil no DeviantArt e uma página pessoal repleta de boas fotos para gente adulta. Que pensaria ela do uso idiota que se tem dado a este seu trabalho?

Treta nº10.

A artista chinesa Zhu Ming, outra misteriosa criatura das profundezas.

Nem imaginam a quantidade de fotos assustadoras da Deep Web que não são mais do que trabalhos artísticos desconhecidos da maioria das pessoas ou fotos promocionais de filmes obscuros igualmente pouco conhecidos. Esta fotografia é bizarra, sim, mas apenas o produto da imaginação de Zhu Ming, artista chinês.
Treta nº11.

Wild Child, 2003

Eis mais um exemplo de trabalho sério desvirtuado pelo desleixo dos ignorantes. Esta imagem faz parte de uma série – Shadow Chamber– que acabou por dar origem ao segundo livro do fotógrafo Roger Ballen.
Ballen nasceu em Nova Iorque em 1950, mas mudou-se para Joanesburgo aos 20 anos e de lá não mais saiu. Desde que começou a fotografar tem usado sempre película a preto e branco:
Ao contrário da fotografia a cor, o preto e branco não procura mimetizar o mundo de uma forma similar ao que o olho humano perceciona. Essencialmente, é uma forma abstracta de interpretar e transformar o que pode ser referido como realidade.
O meu propósito ao tirar fotografias é definir-me a mim próprio. Tem sido, basicamente, uma viagem psicológica e existencial.

Céus, o homem é mesmo assustador.

Treta nº12.


Ao que parece, os detetives da Deep Web acabaram de tropeçar na Segunda Guerra Mundial, mais de 70 anos depois – tropeçaram, mas não a reconheceram.
Esta foto foi divulgada pelo Imperial War Museum, em Londres, e mostra-nos enfermeiras testando máscaras anti-gás, em 1940.
O medo de que os nazis recorressem ao gás para atacar as cidades inglesas era bem fundamentado: durante a Primeira Guerra Mundial, as grandes potências em conflito tinham usado todo o tipo de armas químicas, do gás lacrimogéneo a agentes mortais como o cloro ou o fosgénio.
A 13 de agosto de 1940, tendo derrotado a Polónia e a França, entre outros países, Hitler dava início à sua quarta campanha militar: o «Dia da Águia», como ficou conhecido, era o primeiro de uma série de bombardeamentos massivos destinados a colocar a Grã-Bretanha de joelhos.
A Batalha de Inglaterra tinha como objetivo fundamental reduzir a Força Aérea inglesa a cinzas, preparando o terreno para uma futura invasão terrestre. Milhares de barcaças já se encontravam prestes a receber os soldados e a atravessar o Canal da Mancha, mas a resistência inglesa foi determinante. Em Setembro desse ano, as perdas materiais e humanas da Luftwaffe eram de tal ordem que Hitler decidiu adiar os planos de invadir a Grã-Bretanha e virou as suas ambições para o inimigo bolchevista: a União Soviética.

Esta foto é um documento impressionante desses tempos de luta e resistência, e não o resultado de alguma ação diabólica…

Treta nº13.


História? O que é? Aquela disciplina chata que tínhamos na escola, certo?

E eis que uma das fotos mais conhecidas da Segunda Guerra Mundial, tirada em Estalinegrado depois da derrota dos nazis, afinal se torna pretexto para modificações ranhosas na cor original e artigos sobre imagens assustadoras.
Mais de 850 mil soldados do exército das forças do Eixo morreram na sequência de uma batalha que durou 199 dias. Pelo menos um milhão e 100 mil soldados russos foram mortos. Ao todo, entre tropas e civis, calcula-se que terão morrido mais de dois milhões de seres humanos – isto é o verdadeiro horror.
Quando Emmanuil Evzerikhin fotografou a fonte Barmaley, tinha descoberto uma cidade completamente arrasada pelos combates. Ao fotografá-la, criou uma imagem que mostrava os horrores da guerra e a convicção de que a União Soviética sobrevivera, com as estátuas das crianças ainda intactas a simbolizar as novas gerações que haveriam de reconstruir o país.

Treta nº14.

E com esta versão mecânica ainda rudimentar – mas impressionante – de um homem das cavernas, a Disney conquista um lugar no panteão das criaturas da Deep Web.
Androide construído por extraterrestres sendo inspecionado num laboratório secreto da Área 51? A descoberta de que o Abominável Homem das Neves é um androide construído por extraterrestres que está a ser inspecionado na Área 51?
Nas mentes dos mistificadores da Web, a resposta é sim; no mundo real, a resposta é diferente: trata-se de um homem das cavernas com um mecanismo interno que permitia movimentar os olhos, a cabeça, os lábios, os membros e o próprio corpo. E veio dos estúdios da Walt Disney, onde a criatura foi fabricada, para ser exibido na Feira Mundial de Nova Iorque, realizada em 1964.
A foto foi publicada no mesmo ano pela revista Popular Science, juntamente com uma reportagem sobre o mecanismo da «criatura» e as maravilhas que a feira se preparava para exibir.

Treta nº15.

Liga os faróis do carro, Manel, vamos tirar uma foto!

Mais uma foto mostrando gambozinos assustadores. Ou bichos-papões. Na verdade, é uma criação do artista e designer gráfico austríaco Moritz Resl.

Treta nº16.

A família Buckley
Eis uma nova e terrível história da Deep Web que em dois minutos de pesquisa se desvenda. Apresento-vos então a família Buckley. As tenebrosas crianças são o David e a Susan.
As mães costumam perder a cabeça quando os filhos se portam mal, mas aqui parece ter sido um acontecimento literal. Que se terá passado?
Como piadinha de Halloween, os miúdos das redondezas acharam que seria uma excelente ideia arranjar um boneco e cortar-lhe a cabeça. As tenebrosas crianças David e Susan, contudo, preferiram outra abordagem: em vez do boneco, optaram por cortar a cabeça à mãe e deixar-se fotografar.
Quando o crime foi descoberto e a polícia chegou a casa, as crianças há muito tinham desaparecido: apenas restava esta foto e o corpo em decomposição da senhora.
Ah! Mas felizmente os programas de edição de imagem têm poderes miraculosos e a cabeça da pobre mãe pôde ser colocada de novo no seu devido lugar. Ufa!

Treta nº17.

Surpresa! Os antigos também gostavam de mascarar-se.
Sabem como as pessoas se mascaravam para o Halloween nos Estados Unidos, entre 1875 e 1955?
Ossian Brown, músico membro dos extintos Coil e agora efetivo dos Cyclobe, entusiasta de longa data de tudo o que é bizarria, fez um longo trabalho de pesquisa em arquivos fotográficos e coligiu esta e muitas outras fotos para um livro chamado Hounted Air. O prefácio foi escrito pelo cineasta David Lynch – um homem da Deep Web (embora ele não saiba).

Treta nº18.

Serão umas experiências do governador tarado de The Walking Dead?

Experiências genéticas secretas que correram mal e foram reveladas numa página ultra-secreta na camada mais ultra-secreta da Deep Web? Monstrinhos que vieram do outer space? Nada de tão fantástico: apenas a criação de um jovem artista chamado Carim Nahaboo.

Treta nº19.

Se existir uma Santa Padroeira da Suprema Paciência, qualquer fã de Pina Bausch deve tornar-se imediatamente um devoto e acender uma velinha.
Isto é uma foto de uma performance dirigida pela bailarina e coreógrafa Pina Bausch. Mas anda esta malta a desvendar segredos da Web e nem o Google usa para descobrir de onde veio a imagem? Que tem isto de assustador ou misterioso, ó libelinhas da Deep Web?
A maioria destas imagens são más interpretações dos detetives da Deep Web, pelo que só posso tirar estas conclusões:

1. Não querem saber da verdade, querem é visitas;
2. são miúdos sem grandes hábitos de estudo;
3. têm a cabeça tão formatada pelo lixo que lhe é servido pelas televisões, editoras discográficas e estúdios de Hollywood que se tornaram incapazes de reconhecer manifestações artísticas e culturais fora do mainstream.

(Ainda bem que só me desafiei a procurar 20 imagens, imaginem se tivesse imaginado procurar 40 – esta era a fase em que desistia da empreitada). A propósito, aqui vai a última da série:

Treta nº20.

Venzonea Skeletons, de Jack Birns, 1950

Não descobri a data ou circunstâncias em que a foto foi tirada (Atualização: é uma das fotos tiradas a 9 de setembro de 1950 para a reportagem da revista Life – obrigado José Luís Teixeira).
O que a senhora tem a seu lado é uma múmia – uma das famosas múmias de Venzone, em Itália.
Durante muitos anos, a região ficou conhecida por um mistério indecifrável: por que razão os corpos enterrados nos sarcófagos da catedral da cidade se encontram tão bem conservados, tendo em conta que o primeiro foi descoberto em 1647?
Muita especulação foi feita, alguma até de natureza religiosa. Finalmente, a Ciência pôde fornecer uma explicação ao estudar o processo de mumificação natural aí ocorrido.
Existe uma razoável variedade de mecanismos envolvidos que já eram conhecidos – ação enzimática, térmica, ausência de oxigénio, alteração do pH ou desidratação, por exemplo; no caso da catedral de Venzone, a notável conservação foi atribuída à ação de um fungo, o Hipha Bombicina Pers.
Num ambiente sem circulação de ar, a uma temperatura muito fria e constante, o fungo absorve a humidade e seca os cadáveres, preservando a pele. E é uma dessas múmias «naturais» que vemos na fotografia.

Comentários