Preparem-se para o pensamento híbrido

Há 200 milhões de anos, nossos ancestrais mamíferos desenvolveram uma nova característica para o cérebro: o neocórtex. Esse pedaço de tecido do tamanho de um selo postal (envolvendo um cérebro do tamanho de uma noz) é a chave para o que a humanidade se tornou. Agora, o futurista Ray Kurzweil sugere que devemos nos preparar para o próximo salto em poder cerebral, à medida que exploramos o poder computacional na nuvem.






Deixem-me lhes contar uma história. Aconteceu há 200 milhões de anos.



É a história do neocórtex, que significa "nova casca". E nesses mamíferos primitivos, porque só os mamíferos têm neocórtex, criaturas parecidas com roedores. Era do tamanho de um selo postal e tão fino quanto, e era uma cobertura fina em volta do cérebro do tamanho de uma noz, mas era capaz de uma nova forma de pensamento. Em vez dos comportamentos fixos que os animais não mamíferos têm, podia inventar novos comportamentos. Se um rato estivesse fugindo de um predador, e seu caminho estivesse bloqueado, ele vai tentar inventar uma nova solução. Pode funcionar, ou não, mas se funcionar, ele vai se lembrar e se comportar diferentemente, e isso pode se propagar viralmente pelo resto da comunidade. Outro rato que tenha visto isso diria: "Ei, foi bem esperto, dar a volta nessa pedra", e adotaria um novo comportamento também.

Animais não mamíferos não conseguiam fazer essas coisas. Tinham comportamentos fixos. Eles aprenderiam comportamentos novos, mas não durante seu período de vida. Durante o período de, talvez, milhares de vidas, poderia evoluir para um novo comportamento fixo. Isso funcionava perfeitamente há 200 milhões de anos. O ambiente mudou bem devagar. Poderia demorar 10 mil anos para haver uma mudança ambiental significativa, e durante esse período de tempo, evoluiria para um novo comportamento.

Bem, isso funcionou bem, até que algo aconteceu. Há 65 milhões de anos, houve uma mudança ambiental brusca e violenta. Nós a chamamos de evento de extinção cretáceo. Foi aí que os dinossauros foram extintos, foi aí que 75% das espécies de animais e plantas foram extintas, e foi aí que os mamíferos assumiram seu papel ecológico, e para antropomorfizar, a evolução biológica disse: "Hmm, esse neocórtex é coisa boa", e ele começou a crescer. E os mamíferos ficaram maiores, seus cérebros ficaram maiores ainda mais rápido, e o neocórtex ficou maior mais rápido ainda e desenvolveu essas dobras características basicamente para aumentar sua superfície. Se pegássemos o neocórtex humano e o esticássemos, seria do tamanho de um guardanapo de mesa, e ainda é uma estrutura fina. É da espessura de um guardanapo de mesa. mas tem tantas dobras e convoluções que agora compõe 80% de nosso cérebro, e é nele que realizamos o pensamento, e é o grande sublimador. Ainda temos aquelo cérebro antigo que fornece nossa motivação básica, mas eu posso ter uma motivação por conquista, e ela seria sublimada pelo neocórtex na escrita de um poema ou na invenção de um aplicativo ou numa palestra TED, e é mesmo no neocórtex que a ação acontece.

Há 50 anos, eu escrevi um artigo descrevendo como eu pensava que o cérebro funcionava, e eu o descrevi como uma série de módulos. Cada módulo podia fazer coisas com um padrão. Poderia aprender um padrão. Lembrar um padrão. Poderia implementar um padrão. E esses módulos eram organizados em hierarquias. E nós criávamos essa hierarquia com nosso próprio pensamento. E havia muito pouco para acontecer há 50 anos. Levou-me a conhecer o presidente Johnson. Estive pensando nisso há 50 anos, E há um ano e meio, eu lancei o livro "How to Create a Mind", que tem a mesma teoria, mas agora há muito mais evidências. As informações que temos sobre o cérebrro da neurociência dobra a cada ano. A resolução espacial de escaneamento cerebral de todos os tipos dobra a cada ano. Agora podemos ver dentro de um cérebro vivo e ver conexões interneurais individuais se conectando e sendo ativadas em tempo real. Podemos ver seu cérebro criar seus pensamentos, seus pensamentos criarem seu cérebro, o que é muito importante para seu funcionamento.

Vou explicar brevemente como funciona. Eu contei esses módulos, na verdade. Nós temos cerca de 300 milhões deles, e nós os criamos em hierarquias. Vou dar um exemplo simples. Eu tenho um tanto de módulos que conseguem reconhecer a barra como um A maiúsculo, e isso é tudo com que se importam. Pode tocar uma música bonita, uma garota bonita pode passar, eles não se importam, mas eles vêm um A maiúsculo na barra, eles ficam muito animados e dizem: "Barra!", e colocam uma alta probabilidade em seu axônio de saída. Daí, segue-se ao próximo nível, e as camadas estão organizadas em níveis conceituais. Cada um é mais abstrato que o próximo, então o próximo pode dizer: "A maiúsculo". Daí, sobe-se para um nível mais alto que se pode dizer "Abacate". A informação também viaja para baixo. Se o reconhecedor de abacates já viu A-B-A-C-A-T, ele vai pensar consigo: "Hmm, acho que um E é bem provável", e vai mandar um sinal para os reconhecedores de E, dizendo: "Fiquem atentos para um E, acho que tem um a caminho". Os reconhecedores de E vão diminuir seu limiar e eles veem um borrão, que poderia ser um E. Normalmente você não acharia, mas estamos esperando um E, está bom o suficiente, e sim, vi um E, e então abacate diz: "Sim, eu vi um Abacate."


Subindo mais uns cinco níveis, estamos num nível bem alto dessa hierarquia, e se espalha por diferentes sentidos, e você pode ter um módulo que vê um certo tecido, ouve uma certa qualidade de voz, sente um certo perfume, e vai dizer: "Minha esposa esteve neste quarto".


Subindo mais uns dez níveis, e agora estamos num nívei altíssimo. Provavelmente no córtex frontal, e terá módulos que dizem: "Isso foi irônico. É engraçado. Ela é bonita".


Vocês podem pensar que esses são mais sofisticados, mas o que é mesmo mais complicado é a hierarquia por baixo deles. Havia uma garota de 16 anos, que passou por uma cirurgia cerebral, e ela estava consciente porque os cirurgiões queriam falar com ela. Dá para fazer isso porque não há receptores de dor no cérebro. E sempre que eles estimulavam pontos específicos bem pequenos em seu neocórtex, mostrados aqui em vermelho, ela dava risada. Eles acharam que estavam ativando algum tipo de reflexo do riso, mas não, eles rapidamente percebem que tinham encontrado o ponto em seu neocórtex que detecta humor, e para ela tudo era hilário sempre que estimulavam esses pontos. "Vocês são tão engraçado, aí em pé", era um comentário típico, e eles não eram engraçados, não durante a cirurgia.


Então, como estamos hoje em dia? Bem, computadores estão começando a dominar a linguagem humana com técnicas que são similares ao neocórtex. Eu descrevi o algoritmo, na verdade, que é parecido com algo chamado de modelo hierárquico oculto de Markov, algo com que tenho trabalhado desde os anos 90. "Jeopardy" é um jogo de linguagem natural bem popular, e Watson obteve maior pontuação que os dois melhores jogadores juntos. Ele acertou esta pergunta: "Um discurso longo e cansativo dado por uma cobertura de bolo cremosa", e ele rapidamente respondeu, "O que é meringue-harangue" (trocadilho) E Jennings e o outro cara não entenderam. É um exemplo bem sofisticado de computadores entendendo linguagem humana, e ele obteve seu conhecimento lendo a Wikipedia e várias outras enciclopédias.


Daqui a cinco ou dez anos, ferramentas de busca vão ser baseadas não somente na busca de combinações de links e palavras mas de fato no entendimento, ler para entender as bilhões de páginas da Internet e livros. Você estaria andando por aí, e o Google apareceria e diria: "Sabe, Maria, você demonstrou preocupação para mim há um mês que seu suplemento de glutationa não estava ultrapassando a barreira hematoencefálica. Bem, novas pesquisas foram publicadas há 13 segundos, e mostram uma nova abordagem para isso e um novo jeito de tomar glutationa. Deixe-me resumir para você."


Daqui a dez anos, nós teremos nanorrobôs, porque outra tendência exponencial é o encolhimento da tecnologia. Eles entrarão no seu cérebro pelos capilares e basicamente conectarão nosso neocórtex a um neocórtex sintético na nuvem, oferecendo uma extensão de nosso neocórtex. Hoje em dia, quero dizer, vocês têm um computador no celular, mas se precisarem de 10 mil computadores por alguns segundos para fazer uma pesquisa complexa, vocês poderão acessá-los por um ou dois segundos na nuvem. Na década de 2030, se precisarmos de neocórtex extra, poderemos nos conectar na nuvem diretamente de nossos cérebros. Estarei andando por aí e direi: "Oh, ali está Chris Anderson. Ele está vindo em minha direção. Melhor pensar em algo inteligente para dizer. Eu tenho três segundos. Meus 300 milhões de módulos no meu neocórtex não darão conta do recado. Preciso de mais um bilhão". Eu poderei acessá-los na nuvem. E nosso pensamento, então, será híbrido entre pensamento biológico e não biológico, mas a parte não biológica estará sujeita à minha teoria das mudanças aceleradas. Vai crescer exponencialmente. E lembram-se do que aconteceu da última vez que expandimos nosso neocórtex? Isso foi há dois milhões de anos, quando nos tornamos humanoides e desenvolvemos essas testas grandes. Outros primatas têm testa inclinada. Eles não têm o córtex frontal. Mas o córtex frontal não é qualitativamente diferente. É uma extensão quantitativa do neocórtex, mas a quantidade adicional de pensamento foi o fator que nos possiblitou dar um salto qualitativo e inventar linguagem e arte e ciência e tecnologia e conferências TED. Nenhuma outra espécie já fez isso.

E assim, pelas próximas décadas, vamos fazer isso de novo. Vamos expandir nosso neocórtex novamente, só que, dessa vez, não estaremos limitados por uma arquitetura fixa e fechada. Será expandido sem limites. Essa quantidade adicional vai, novamente, ser o fator que possibilita outro salto qualitativo em cultura e tecnologia.

Muito obrigado.

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